Teresa Lamas fez história há 25 anos, ao tornar-se uma das primeiras mulheres a entrar para os paraquedistas portugueses. Passou por uma formação exigente física e psicologicamente, lutou contra alguns preconceitos e conquistou o seu lugar nas Forças Armadas. Nos tempos livres, é uma mulher como as demais e adora História, restauro e desporto. É esta pessoa fascinante que quisemos conhecer melhor.
Podemos começar pelo início da sua vida… O que estudou, onde trabalhou…?
Antes de entrar para os paraquedistas, eu não trabalhava. Sempre vivi bem, numa família de classe média. Fui para os paraquedistas porque, no final de 1991, começou a falar-se de que iria abrir vagas para as mulheres, e como o meu pai tinha sido paraquedista – na Guerra Colonial, ele chegou a ser guarda-costas do General Spínola, na Guiné – e então resolvi entrar. E fi-lo porque se tratava dos paraquedistas, porque nunca me passou pela cabeça ir para a tropa. Na altura, fui atleta de alta competição, assim como a minha irmã. Cheguei a ser campeã nacional dos 400 metros, na época de 1988/89, e fiz alguns trabalhos como modelo – fui Miss Coimbra e estive na Miss Portugal. Além disso, estudei História da Arte e Conservação e Restauro. Em relação a cursos militares, tenho muitos. Tenho o de paraquedismo, vários relacionados com informações e comunicações, tirados na Escola de Comunicações da NATO (em Latina – Roma).
E no meio de tantas áreas diferentes, alguma tinha especial importância para si quando era criança?O que queria ser quando fosse grande?
Sempre pensei em seguir alguma coisa ligada à História, Conservação e Restauro. Gosto muito de peças antigas e de restaurar coisas antigas, e esse é um grande hobby hoje em dia. Seguiu a carreira militar por causa do exemplo que recebeu do seu pai e do percurso que ele traçou. Quando tomou a decisão de entrar para os paraquedistas, como foi a reação do seu pai? Ele teve contacto com as enfermeiras paraquedistas, que eram um caso à parte. Elas eram enfermeiras, tiraram um curso minimamente militar para estarem preparadas para aquilo a que iam, e estiveram no cenário da Guerra Colonial entre 1961 e 1974. Com o fim do conflito, elas saíram da Força Aérea. Mais tarde, em 1991, quando se começou a falar de mulheres paraquedistas, nós sabíamos que íamos para uma tropa de elite, o que significava que a formação já seria outra, igual à dos homens. O curso de paraquedismo foi extremamente duro, mas também fizemos outros cursos de grande dificuldade. A primeira coisa que o meu pai disse foi: “se queres ir, vai; mas não vais conseguir”. Sinto que ele disse isto sabendo que eu não ia desistir e que era capaz de fazê-lo. A minha mãe achou uma coisa fora do normal. Mas estava decidida a ir: tinha boas capacidades físicas, sentia-me capaz por ter sido atleta, e, apesar das mazelas durante o curso, levei-o até ao fim e fiquei. Em 495 concorrentes, entraram 36 mulheres no curso e apenas 25 chegaram ao fim. Depois do curso de paraquedismo, tive de tirar uma especialidade e escolhi a parte das comunicações. Ainda realizei testes psicotécnicos, e acabei nas quatro primeiras classificadas, indo para operadora de comunicações. Na altura era praça, e depois de fazer o Curso de Sargentos, já em 1995, decidi manter-me na área das comunicações. É uma área de que gosto imenso!
Há 25 anos, quando tudo isto aconteceu, como é que os homens que pertenciam ao mundo militar viram a entrada das mulheres?
Na altura, foi um bocado complicado para nós. Eu entrei para os paraquedistas a 25 de abril de 1992, e em março já tinham entrado as primeiras mulheres para o exército. Na Força Aérea já existiam mulheres há alguns anos. Nós, mulheres paraquedistas, levámos um pouco por tabela. Avisavam-nos de como nos deveríamos comportar quando fôssemos de fim-de-semana, e diziam-nos que, se saíssemos à rua fardadas, iríamos ouvir comentários desagradáveis da população. Pela maioria dos camaradas, no início, não fomos bem aceites, mas com o tempo a situação foi melhorando. Mas penso que, ainda hoje, muitos camaradas não aceitam que lá estejamos, especialmente sendo esta uma força especial. Outros já se aperceberam de que, para tomar decisões rapidamente e a quente, as mulheres têm mais capacidade, são mais ágeis. No entanto, é como em qualquer área: há mulheres mais capazes do que outras.
Houve algum momento negativo ao longo destes anos originado nesse “choque” de mentalidades?
Tive alguns… Digamos que fui prejudicada algumas vezes por ser mulher e por ser considerada uma mulher bonita. Não tenho culpa disso. Na tropa, quando uma mulher é muito bonita ou feminina, acham-na menos capaz do que as outras. Eu consigo ser militar e extremamente feminina quando não estou a trabalhar. A maior parte das camaradas que fizeram carreira são mais masculinas, o que pode ser uma forma de se integrarem melhor. O certo é que elas são menos prejudicadas, porque os homens veem-nas mais como eles.
Que balanço faz destes 25 anos?
Para mim é um balanço muito positivo! No início, houve instrutores que diziam mesmo “Lamas, vai-te embora, isto não é para ti!”, mas sinto que isso me motivou ainda mais. Fiz o curso de paraquedismo para mostrar ao meu pai que era capaz, mas acabei por gostar e concorri aos quadros, onde acabei por ficar. Diziam-me que quanto mais passássemos despercebidas no curso melhor, e eu não conseguia porque, além de ser mulher, tinha 1,74m. Não havia mulher tão alta como eu ali. Hoje, passados 25 anos, já sou Sargento-Ajudante, e as pessoas já me veem de forma diferente. Se estou aqui há tanto tempo, se fiz carreira neste ramo, é porque tenho algum valor.
Como é a Teresa Lamas quando despe a farda?
Sou a mesma pessoa! Quem me conhece bem sabe que é assim mesmo. Os que me conhecem do social não me conseguem imaginar de farda. Até no meu trabalho já se sentiu o choque! Antes de vir para este cargo que estou agora, na DCSI, estive seis anos na NATO. Quando voltei, haviam pessoas novas que não me conheciam e, por curiosidade, foram pesquisar o meu Facebook…
Ficaram espantadíssimos por verem que eu uso vestidos! Mas isso não faz de mim menos militar que as outras. Sou militar 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano. Mas, quando dispo a farda, sou uma mulher normal.
Como é que ocupa os seus tempos livres?
Passo tempo com a minha família. A minha irmã, Alexandra Lamas, foi atleta comigo e chegou a vir também para o curso de paraquedismo, mas resolveu sair por achar que não tinha estofo para aguentar algumas situações, nem paciência para aceitar de ânimo leve certas coisas, menos agradáveis. Há pouco tempo, há cerca de quatro anos, regressou ao Atletismo. Quando éramos mais novas, eu era velocista e ela era atleta de fundo e meio-fundo. Ao vir para o curso, perdi as minhas capacidades de velocidade e ganhei resistência, conforme o meu treinador me tinha dito antes. A minha irmã, como precisava de muita resistência nas provas, acabou por sair melhor da tropa. Por isso, regressou às provas e em grande! É campeã do Mundo e da Europa nos 3 mil, 5 mil, 10 mil e 20 mil metros de Marcha. Por isso, aproveito o meu tempo para a acompanhar. Vou com ela aos Europeus deste ano. Continuo ligada ao Desporto, ainda que não a competir. De resto, passeio com a família, dedico-me aos meus trabalhos de restauração e conservação, gosto de viajar, conhecer novas culturas e cidades com museus! Adoro Viena, Roma, Praga, Paris, Berlim, Atenas, … imensas! Adoro cidades com História e Arte.
Sabemos que também gosta muito de Moda. Quais são os seus estilistas de eleição?
Eu gosto imenso de Carlos Gil, porque tem coleções fantásticas, elegantes e muito clássicas, muito dentro do meu género. Também gosto muito da Fátima Lopes, e de outros estilistas com criações mais viradas para o homem, como o Filipe Faísca, o Nuno Gama… A nível internacional, gosto muito de Karl Lagerfeld da Casa Chanel e Fendi.
Como define ser mulher?
Ser mulher é lidar todos os dias com linhas ténues, é equilibrar todos os dias a independência e a intimidação! Nós conseguimos fazer as mesmas coisas que os homens. Eles têm mais 10% de força muscular do que nós, mas a nível de resistência as mulheres são superiores. Quando fazíamos topográficas, em que saíamos de manhã às 11h para só voltarmos às 11h do dia seguinte, muitos homens desistiam. Ser mulher, hoje em dia, é, por isso, ter a capacidade de nos encaixarmos em todas as áreas e conseguir sobressair. No meu trabalho, sinto que consigo fazer as mesmas coisas que os homens e bato-me de igual para igual. As mulheres conseguem sentir mil emoções e estar em diversos estados diferentes ao longo de um dia. Ser mulher é ter a capacidade de avaliar situações graves e encontrar soluções diferentes, menos drásticas. Conseguimos antever alguns episódios e tomamos decisões a pensar no futuro. Não reagimos demasiado no momento dos acontecimentos, como os homens. Tenho sido muito elogiada por ser muito organizada e por saber realizar bem as tarefas. Hoje em dia, não há barreiras nem fronteiras. Não é o facto de sermos mulheres que nos impede de sermos o que quisermos.
Não nos devemos intimidar perante nada e temos de ir à luta! Não há nada que não podemos fazer.
Quais são os seus sonhos e objetivos para o futuro?
A carreira de Sargento tem vários postos, e neste momento faltam-me dois para atingir o topo da carreira – o posto de Sargento-Chefe e o de Sargento-Mor. Quero muito chegar lá, até porque, neste momento, as mulheres que fizeram carreira militar na classe de Sargentos estão todas no mesmo patamar que eu. Estou a trabalhar para atingir esse objetivo, porque não é sentada que esse desejo se vai realizar. Trabalho diariamente para ter um trabalho que seja reconhecido e merecedora desse mesmo reconhecimento. É uma Honra Servir a Pátria, e faço-o com a plena consciência disso mesmo, tendo em conta os Valores, os Deveres e a Ética Militar aos quais estamos regidos. Honra, abnegação, moralidade, decoro, camaradagem, bravura, coragem, iniciativa, força de vontade, e presteza, são valores que nos são intrínsecos. Vestir a Farda é a minha segunda pele. A lealdade e a obediência são as maiores virtudes militares e a maior Honra que um Militar pode ter. A todas as Mulheres – atrevam-se e sejam bem-vindas a um Mundo dos Homens.