Brigitte Bardot, uma mulher à frente do seu tempo
Nome maior do cinema francês e mundial, Brigitte Bardot nasceu a 28 de setembro de 1934, num dos bairros mais luxuosos da cidade de Paris. Filha mais velha de um casal da alta burguesia, a infância de Brigitte – que tem uma irmã mais nova que também é atriz – ficou marcada pelas regras rígidas, vestidos caros e uma paixão pelas artes, que lhe foi incutida pela mãe desde sempre. Uma aparente “vida de sonho” que depressa se alterara com o som das botas cardadas das tropas alemãs, tomando conta de França e transformando os parisienses em prisioneiros dentro da sua própria cidade.
Com a Armada Alemã (SS) em Paris e o recolher obrigatório, a jovem Brigitte começou a demonstrar interesse pela dança. Os trabalhos que começou a fazer na área da moda eram conciliados com as aulas do coreógrafo russo Boris Knyazev, no Conservatório de Música e Dança da capital francesa. Com apenas 16 anos, e um olhar brilhante que encantava qualquer um, foi capa da revista Elle. Foi na conhecida publicação francesa, que fez furor nas bancas e que um jovem realizador viu, pela primeira vez, aquela que viria a ser a sua futura mulher e “musa” dos seus trabalhos. Ao ver este ensaio fotográfico, Roger Vadim convidou-a para fazer um casting para um filme que nunca chegou a ser produzido. Mesmo assim, esta oportunidade fez com que a loira de cabelos compridos abandonasse a dança para se dedicar a 100% à representação.
A estreia de Brigitte Bardot no cinema deu-se com o filme “Le Trou Normand” de 1952. Nesse mesmo ano, e à revelia da família, a atriz casou-se com o homem que a apresentou ao mundo onde começava a movimentar-se e a fazer furor. Sensual, feliz e provocadora, três adjetivos que resumiam a jovem estrela que não tremia qual fosse o papel que tinha de desempenhar. Em “Manina, La Fille Sans Voile”, protagonizou, à época, inéditas cenas em biquíni que levaram a uma contenda judicial. Os pais tentaram, sem sucesso, que a película não chegasse as salas de cinema. Este “escândalo” familiar chamou a atenção da imprensa, que acompanhou todos os passos da atriz francesa durante o Festival de Cinema de Cannes. Quer estivesse a deslumbrar na passadeira vermelha, quer a aproveitar as belas praias da Côte d’Azur, havia sempre uma câmara próxima da estrela parisiense que todos os dias fazia manchetes nos jornais.
Quem não se mostrava muito agradado com a forma como Brigitte Bardot estava a ser usada pela indústria era Roger Vadim. Bardot era mais do que uma simples atriz, ela estava talhada para ser uma lenda.
O sucesso internacional de BB chegou com “E Deus Criou a Mulher”, onde representou uma adolescente amoral numa pequena cidade. A cena em que dança salsa, descalça em cima de uma mesa, foi considerada uma das mais eróticas da história do cinema, tendo levado a Legião Católica da Decência a apresentar queixa contra o filme e vários países a censurar a sua exibição. Ainda assim, foi um fenómeno de bilheteira nos Estados Unidos e levou a uma explosão de popularidade, até então nunca vista, numa Hollywood puritana, que tinha como um dos nomes maiores Marilyn Monroe.
Mesmo não tendo feito grande carreira nos Estados Unidos, isto porque os grandes estúdios de cinema achavam muito arriscado apostar numa atriz que não dominava a língua inglesa, a “Bardot Mania” era incontrolável. Charles de Gaulle terá mesmo afirmado que ela era “a exportação francesa mais importante que os carros da Renault”. Brigitte era uma mulher bem à frente do seu tempo e representava uma França libertada dos grilhões de um passado obscuro.
A estrela francesa, que era vista pelos meios de comunicação como uma bombshell glamorosa, começava a ganhar os aplausos da crítica especializada, que a reconhecia cada vez mais como uma atriz de mérito, muito para além do rosto perfeito. No drama de tribunal “A Verdade”, que ganhou o Globo de Ouro para melhor filme estrangeiro, demonstrou toda a sua profundidade interpretativa. Este papel levou-a ao patamar seguinte: ao lado de Marcello Mastroianni, nome incontornável do cinema italiano, em “Vida Privada”, filme que tem todos os ingredientes para ser uma autobiografia da celebridade francesa, que tanto se queixava do assédio da imprensa e decide, então, deixar tudo para se focar na família.
Para fugir dos holofotes, Brigitte e o filho, Nicolas-Jacques Charrier (fruto da relação com o também ator Jacques Charrier), mudaram-se para a mansão La Madrague, em Saint-Tropez. A sua mudança para esta região ajudou a popularizar a pacata estância balnear francesa no mundo. Foi para demonstrar o seu “amor” por este bucólico refúgio que se lançou na música. Dezenas de discos e cinquenta filmes depois, o ícone fashion emitiu um comunicado surpreendente que deixou todos os seus seguidores e a imprensa internacional em choque.
Em 1973, pouco antes de alcançar os 40 anos, Brigitte Bardot anunciou que ia abandonar, para surpresa de todos, o cinema. Optando por uma saída que apelidou como sendo “elegante”, a estrela francesa recusou dezenas de convites para voltar a representar e ao longo dos anos tem negado propostas e proibido a realização de filmes a sobre sua vida.
Já após o abandono dos palcos, em 1985, foi premiada com a Legião de Honra Francesa por tudo o que fez ao longo da carreira para dinamizar o cinema francês, e o país, que teve na loira a sua maior embaixadora. Só que Bardot recusou esta distinção para surpresa de todos. A sua vida já não passava por ali.
De volta a La Madrague, a vegetariana convicta abraçou a vertente de ativista ao criar a Fundação Brigitte Bardot. Esta instituição, reconhecida pelo governo francês como sendo de utilidade pública, apoia a causa animal, tendo em Dalai Lama um dos seus membros mais conhecidos. A estrela francesa liderou campanhas contra a caça das baleias no Canadá, as experiências em laboratório com animais ou o uso de casacos de pele verdadeira.
Já a política sempre foi muito cara a BB, que foi retratada como “Marianne” – símbolo da república francesa. Só que muitas das opiniões apresentadas por Bardot ao longo dos anos, consideradas conservadoras, já lhe trouxeram alguns dissabores. No seu livro autobiográfico, lançado em 1996, fez uma crítica aberta ao crescente islamismo de França. A opinião sobre a emigração de cidadãos árabes, já lhe custou inúmeros processos (foi condenada a pagar 5 000 euros em multas). A juntar a estas declarações, Bardot foi uma das vozes indignadas com o movimento “Me Too” e demonstrou, através do Twitter, o seu apoio aos coletes amarelos. A sucessão de escândalos tem contribuído para a crescente perda da popularidade alcançada com a carreira construída no cinema, bem como a de ativista a favor dos animais.
Atualmente, a diva do cinema francês, que é considerada uma das dez mais belas atrizes da história da sétima arte, raramente aparece em público. Os seus dias são passados na calma das ondas do mar que beijam o seu refúgio dourado de Saint-Tropez. Bardot pode não ser a mesma que vimos em “E Deus Criou a Mulher”, mas o espírito crítico, o amor pelos animais e pelo marido Bernard D’Ormale (conselheiro político de Jean-Marie Le Pen), continuam os mesmos.